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01/01/2007

Hermann Schatzmayr

Poliomielite

Fernanda Marques


Além da erradicação da varíola, Hermann Schatzmayr também participou da erradicação da poliomielite. Inicialmente, a vacinação contra a pólio não era feita num mesmo dia em todo o território nacional. Assim, enquanto uma parte da população ficava protegida, outra permanecia vulnerável à doença e o vírus selvagem da pólio continuava circulando. Então, veio a idéia do epidemiologista João Baptista Risi de vacinar todo mundo no mesmo dia. Dentro desse esforço nacional de erradicar a pólio, coube a Hermann coordenar as atividades laboratoriais, que incluíam o trabalho de diagnóstico e vigilância. Formou-se uma rede de laboratórios regionais, no centro da qual estava o laboratório de Hermann na Fiocruz.

O laboratório montado por Hermann é um centro nacional e internacional de referência em poliomielite. Foto: Acervo pessoal.
 

“A consolidação dessa rede exigiu muitas viagens e reuniões, no Brasil e nas Américas. Houve um tempo em que não acreditávamos na erradicação, mas as Américas foram o primeiro continente a consegui-la”, lembra. “O trabalho laboratorial teve um papel fundamental na erradicação, o que é muito gratificante”. O laboratório de Hermann, que já prestou serviços para países como Paraguai, Bolívia, Peru e Argentina, até hoje é um centro nacional e internacional de referência em poliomielite. “Quando há suspeita de um caso da doença, inclusive na África, nos mandam amostras e, após análises, emitimos laudo confirmando ou não o diagnóstico. Essa vigilância tem que ser permanente”, explica.

Muito raramente, a vacina contra pólio pode provocar na criança um quadro de paralisia, que, em geral, não é duradouro. De qualquer forma, é preciso isolar o vírus da criança e conferir se é o vírus vacinal ou se, por alguma razão, ele se transformou no vírus selvagem – uma transformação que é bastante rara, mas pode acontecer. “Por isso, pensa-se em acabar com a vacinação contra pólio tão logo a doença seja erradicada do mundo todo. Contudo, enquanto houver pólio em alguns lugares, como a Índia e a Nigéria, a continuidade da vacinação é imprescindível”, destaca Hermann. “Países desenvolvidos estão parando de vacinar, pelos riscos desses raros casos de problemas com a vacina. Mas a vacinação não pode parar agora, porque há o perigo de a pólio voltar”, alerta.

Segundo o virologista, embora o Brasil tenha muitos problemas na área da saúde, aqui a vigilância laboratorial funciona e existe uma tradição muito importante a favor da vacina. “O Brasil é o único país do mundo que consegue vacinar 18 milhões de crianças num dia só. É a cultura da vacina”, comemora. “Quando fui presidente da Fiocruz, recebi, no Dia Nacional de Vacinação contra a Poliomielite, um grupo de japoneses. Pedi que os levassem numa praça em Bonsucesso onde o personagem Zé Gotinha fazia a maior festa e uma fila de crianças aguardava sua vez de tomar a vacina. Os japoneses fotografavam aquilo e não conseguiam acreditar que a vacinação acontecia no meio da rua”.

Outras contribuições de Hermann para a erradicação da pólio foram seus estudos sobre a resposta imunológica das crianças à vacina e sobre a detecção do vírus na água. “O virologista Akira Homma e eu mostramos que as crianças apresentavam uma resposta imunológica boa contra o vírus da pólio do tipo 1 e muito boa contra o tipo 2, mas elas tinham poucos anticorpos contra o tipo 3”, lembra o virologista. Pouco depois, foram registrados no Rio de Janeiro casos de pólio do tipo 3. “Começamos a alertar sobre a necessidade de se aumentar a quantidade do tipo 3 na vacina. Só que santo de casa não faz milagre”. Mais tarde, durante uma reunião internacional no Peru, um técnico dos Estados Unidos falou que era preciso aumentar o vírus do tipo 3 na vacina, ou seja, confirmou a conclusão à qual Akira e Hermann  haviam chegado cinco anos antes. A partir de então a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) tomaria as providências para reformular a vacina.

As pesquisas sobre o vírus da pólio na água também foram uma parceria de Hermann com Akira. Este aprendeu a metodologia durante um estágio nos Estados Unidos e os dois foram pioneiros ao implantá-la no Brasil. A dupla mostrou que, após o Dia Nacional de Vacinação contra a Poliomielite, o esgoto apresentava altos níveis de vírus vacinal. Mostrou também que havia vírus selvagem da pólio na água da Baía de Santos, da Baía de Guanabara e de várias praias do Rio de Janeiro. “Esse achado reiterou a importância da vacinação, porque as pessoas estavam expostas à doença por meio da água”, afirma Hermann. Sua tese de livre docência em virologia na Universidade Federal Fluminense (UFF) abordou esse tema, assim como a de Akira na Universidade de São Paulo (USP).

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