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17/05/2007

Pesquisa acompanha tratamento de 1.200 pacientes que receberão células da própria medula óssea

Wagner Oliveira


Coordenador do Instituto do Milênio em Bioengenharia Tecidual (IMBT), uma espécie de consórcio de pesquisa que envolve 17 instituições brasileiras e tem como principal tarefa desenvolver no país uma nova área médica, a medicina regenerativa, o médico imunologista Ricardo Ribeiro dos Santos é reconhecido cada vez mais pelos trabalhos que conduz com as chamadas células-tronco. Entre diferentes atividades neste campo do conhecimento, Ribeiro, que integra o quadro do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM), unidade da Fiocruz na Bahia, participa atualmente de uma empreitada de pesquisa de peso: acompanhar o tratamento de 1.200 pacientes vítimas de diferentes doenças do coração que receberão células da própria medula óssea, naquele que é considerado o maior estudo na área de terapia celular do mundo. Na entrevista a seguir à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), Ribeiro fala sobre o objetivo dessa e de outras pesquisas de que participa e dos avanços conseguidos com a criação do IMBT, que está completando seis anos.


 O médico imunologista Ricardo Ribeiro dos Santos (Foto: Peter Ilicciev)

O médico imunologista Ricardo Ribeiro dos Santos (Foto: Peter Ilicciev)


AFN: Passados seis anos desde a criação do Instituto do Milênio em Bioengenharia Tecidual, quais os principais avanços que apontaria com a iniciativa?


Ricardo Ribeiro dos Santos: Primeiramente a estruturação de grupos de pesquisa na área de terapia celular e a promoção da integração dos mesmos. Ano passado foi fundada a Associação Brasileira de Terapia Celular, que visa à promoção das pesquisas e desenvolvimento tecnológico nesta área. Em segundo lugar, colocou o Brasil em posição de destaque no cenário internacional na área de medicina regenerativa, pois vários estudos inéditos no mundo puderam ser realizados com o apoio do IMBT. Em terceiro lugar, a disseminação de informações sobre esta nova área de pesquisa, por meio da mídia, de cursos e de congressos.


AFN: Contornar o problema das filas de espera por transplante e diminuir os custos desses procedimentos podem ser em sua opinião efetivamente os principais ganhos dos investimentos em grupos de pesquisa que estudam a terapia celular?


Ribeiro: Acho que o maior ganho é a possibilidade de melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças degenerativas e traumáticas. A terapia celular não visa somente tratar de pessoas que necessitam de transplante de órgãos, mas também aqueles que têm nenhuma ou pouca opção terapêutica no momento.


AFN: Os grupos de pesquisa ligados ao IMBT fizeram vários ensaios clínicos inéditos no mundo. Quais os mais emblemáticos?


Ribeiro: Citaria quatro: os estudos em cardiopatia isquêmica crônica feitos no Hospital Pró-Cardíaco, com pacientes de doença de Chagas crônica portadores de insuficiência cardíaca, com hepaopatias crônicas e os trabalhos com pessoas que sofreram acidente vascular cerebral isquêmico agudo.


AFN: Neste último exemplo tivemos o primeiro transplante no mundo de células de medula óssea na terapia do acidente vascular cerebral isquêmico. Quais os objetivos e os resultados desse procedimento? Qual a evolução do paciente transplantado?


Ribeiro: Os objetivos deste estudo foram avaliar a segurança e a exeqüibilidade da terapia em pacientes que sofreram acidente vascular cerebral isquêmico na fase aguda e ainda avaliar a potencial melhora na evolução clínica dessas pessoas. Os resultados demonstraram que o método é seguro e potencialmente eficaz e é provável que a ação seja principalmente na prevenção dos danos no cérebro. A recuperação dos pacientes é mais rápida e melhor, com menos seqüelas.


AFN: Fala-se também que já há resultados promissores nos transplantes de pele e de cartilagem. Procede?


Ribeiro: Transplantes de pele e cartilagem não são novos no mundo. Principalmente o transplante de pele, que pode ter aplicações na recuperação de pacientes com queimaduras graves. O benefício do transplante de cartilagem é ainda discutível.  Novas opções estão surgindo na recuperação de lesões de cartilagem utilizando outros tipos de células adultas.


AFN: Seu trabalho experimental envolvendo transplante de células-tronco em pacientes com doença de Chagas que apresentavam graves problemas no coração - alguns dos quais na fila do transplante - é outra referência. Quantas pessoas já utilizaram o procedimento? Quais os resultados observados?


Ribeiro: No primeiro estudo, que visava determinar a segurança, a exequibilidade e a potencial eficácia do método, foram incluídos 30 pacientes. Como os resultados foram promissores, já que houve melhora da função cardíaca e da qualidade de vida, o Ministério da Saúde promoveu um estudo multicêntrico onde serão incluídos 300 pacientes. Até o momento, cerca de 130 pessoas já foram incluídos no estudo, que visa comprovar a eficácia do procedimento.


AFN: Seu grupo desenvolve um estudo com 1.200 pacientes a respeito do potencial

das células-tronco e também de células adultas extraídas da medula óssea. Qual a meta dessa pesquisa?


Ribeiro: O estudo multicêntrico em cardiopatia chagásica é parte de uma pesquisa maior, que envolverá 1.200 pacientes distribuídos em quatro cardiopatias: chagásica, dilatada, isquêmica aguda e isquêmica crônica, com 300 pacientes em cada uma delas. É o maior estudo em terapia celular do mundo. Em todos os pacientes serão utilizadas células de medula óssea retiradas do próprio paciente. O objetivo é comprovar a eficácia do tratamento em cada uma dessas cardiopatias, pois é um estudo controlado, randomizado e duplo cego. Em cada cardiopatia, metade dos pacientes receberá células, a outra metade não. Nem os médicos nem os pacientes sabem quem recebeu células ou placebo, para não causar viés nas análises da eficácia.


AFN: Recente artigo do periódico científico Nature alertou para os perigos que os testes com células-tronco humanas em doenças cardíacas representam, na medida que ainda não há consenso sobre como elas funcionam. Qual a sua opinião sobre o alerta?


Ribeiro: As células-tronco humanas que estão sendo utilizadas na grande maioria dos estudos são células da medula óssea. Não temos nenhuma evidência de que elas possam causar algum mal, pelo contrário. Elas já são utilizadas na prática clínica há mais de 30 anos, e não se viu nenhum efeito adverso da sua aplicação. Além disso, processos de lesão de tecido causam naturalmente a migração de células da medula óssea. Assim, o que fazemos é só aumentar um processo que ocorre naturalmente.

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