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09/10/2005

Falta de informação aumenta risco para febre maculosa

Pedro Sloboda


Nos últimos seis meses, oito moradores do noroeste do Espírito Santo morreram infectados pela febre maculosa brasileira [originalmente, este texto foi escrito em janeiro de 2004], zoonose causada por bactérias do gênero Rickettsia e transmitida através da picada de carrapatos do gênero Amblyomma. Vítimas da falta de informação da comunidade médica, eles poderiam ter sobrevivido se o diagnóstico e tratamento correto tivesse feito a tempo. A doença tem tratamento simples e barato e não é fatal se identificada nos primeiros dias. Entretanto, pode se agravar com a demora na aplicação do tratamento correto, chegando ao perigoso índice de 80% de letalidade.

Segundo a pesquisadora do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses (LHR) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Elba Sampaio de Lemos, o diagnóstico é dificultado porque a doença pode ser confundida com uma série de outras infecções, como dengue, pneumonia, leptospirose, hepatite, apendicite e, principalmente, meningite meningocócica. Seus sintomas - febre, dores de cabeça e manchas no corpo - são comuns a várias enfermidades. "O grande problema é a falta de conhecimento pelos médicos", diz a pesquisadora.


Algumas características de Rickettsia a tornam ainda mais difícil de detectar. A bactéria é um parasito intracelular obrigatório que se multiplica nas células das paredes dos vasos sanguíneos. Como a resposta de anticorpos não é imediata, o teste laboratorial é considerado retrospectivo. Assim, o tratamento deve ser iniciado antes dos resultados sorológicos.


"Se o paciente apresentar febre, dores de cabeça e manchas pelo corpo após o contato com vetores da doença, o médico deve coletar sangue para o teste e iniciar imediatamente o tratamento com antibióticos capazes de agir contra a Rickettsia", alerta Elba. Ela explica que a bactéria é transmitida ao ser humano por meio da secreção salivar do carrapato adulto ou do "micuim" (espécime jovem). Parasitos comuns em cães e eqüinos abandonados, eles podem atacar o homem pelo contato com animais ou com a vegetação usada como abrigo temporário.


Desde o ano passado, a febre maculosa passou a ser uma doença de notificação obrigatória para o Ministério da Saúde e o LHR estabeleceu-se como serviço de referência nacional. Sob coordenação de Elba, são feitas mensalmente cerca de 600 análises laboratoriais na tentativa de identificar novas ocorrências. Segundo ela, o Sudeste é a região mais atingida, embora os dados ainda sejam imprecisos devido à precária notificação oficial [ainda, em janeiro de 2004, o estado de Santa Catarina registrou seu primeiro caso da doença]. No Estado do Rio de Janeiro já foram identificados casos em Piraí, Miguel Pereira, Barra do Piraí, Duque de Caxias e na capital.


Um dos estudos executados, realizado por Tatiana Rozental, avaliou um surto da enfermidade em Barra do Piraí, no sul fluminense, onde ocorreram dois óbitos confirmados e cinco prováveis mortes causadas pela febre maculosa na última década. Na pesquisa, foi identificada na região a presença de vetores da Rickettsia rickettsii, o que indica a possibilidade de aparição de novos casos.


"Entretanto, a febre maculosa não tem um efeito quantitativo grande, como a dengue e a meningite, que podem acometer centenas ou milhares de pessoas. Seu efeito é qualitativo, já que é fatal na ausência do tratamento adequado", explica Elba. Além dos testes, a equipe do laboratório informa, orienta e esclarece a população em geral, e treina equipes de saúde para o reconhecimento de novos casos.




Doença é mais comum entre junho e outubro


Um estudo coordenado pela pesquisadora mostrou que o número de casos de febre maculosa aumenta entre os meses de junho e outubro, período em que se concentram as formas mais jovens dos carrapatos, conhecidas como "micuins". A pesquisa analisou todos os casos da doença notificados nas décadas de 70, 80 e 90 em regiões endêmicas.


"O problema é que, por serem muito pequenos, os 'micuins' passam despercebidos pelos doentes, que nem chegam a comentar com o médico o ataque. Isso dificulta ainda mais o diagnóstico", afirma Elba, lembrando que, depois dos mosquitos, os carrapatos são os maiores vetores de doenças.

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