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29/10/2013

Elsa-Brasil: pesquisadores apresentam os primeiros resultados

Isabela Schincariol


"Mulheres têm chance 40% maior do que os homens de ter a pressão arterial controlada, uma vez que tomam medicamento para tal. Além disso, quanto maior a escolaridade, inclusive com diferenças significativas entre formação universitária e pós-graduação, mais são as chances de ter a pressão controlada", anunciou a pesquisadora Dora Chor, durante encontro na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) em que apresentou os primeiros resultados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa). Na ocasião, também ocorreram a transferência oficial da coordenação do Elsa e uma homenagem ao pesquisador Reinaldo Guimarães, que sempre colaborou com o projeto. Rosane Härter Griep, a nova coordenadora do Elsa-Brasil Rio de Janeiro, ratificou que a coordenação mudou, mas os objetivos continuam os mesmos. 

Pesquisadoras apresentam primeiros resultados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) em evento na Ensp/Fiocruz (foto: Informe Ensp)

 

O Elsa-Brasil é um estudo de coorte multicêntrico de funcionários ativos e aposentados de seis universidades e uma instituição de pesquisa e realizado em seis capitais. Na primeira onda foram recrutados 15.105 participantes e na Fiocruz, 1.784. Dora comentou que o contexto de proposição deste estudo foram as rápidas mudanças demográficas, nutricionais e epidemiológicas acontecidas em todos o mundo. Além disso, aumentou-se o interesse dos pesquisadores em estudar as doenças crônicas não transmissíveis e observar o impacto destas mudanças no Brasil em um contexto particular de desigualdade e desenvolvimento socioeconômico. Portanto, a primeira intenção do Elsa foi aprofundar conhecimento sobre a relações entre essas mudanças e a ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) em nosso país. 
 
O objetivo deste estudo foi investigar casos novos e a progressão das DCNT, especialmente diabetes e doenças cardiovasculares e seus fatores de risco em uma ampla gama de exposições, como riscos biológicos, comportamentais, ambientais, ocupacionais, psicológicos, sociais e outros. “Nossa meta foi ousada, mas estamos conseguindo estudar, simultaneamente, do código genético até o código postal (CEP) dos participantes. O que se busca é uma visão mais ampla deste processo de causalidade de DCNT que hoje já está comprovado começar no útero da mãe”, disse ela. 
 
Apesar do estudo ter uma população restrita, há uma ampla variedade socioeconômica no grupo. Segundo ela, isso permitirá ao Elsa olhar o  risco de doença, sua progressão e controle de acordo com a classe social, escolaridade, renda, educação e raça, que é uma contrução social. Estudos de vizinhança também entram nas análises. “Com ele podemos correlacionar o quanto as DCNT também se devem ao contexto de moradia das pessoas”, constatou.  
 
Estudo indica taxa de 70% de sobrepeso e obesidade
 
A nova coordenadora do Elsa Rio de Janeiro, Rosane Härter Griep, falou sobre os resultados da linha de base do estudo e focou no Centro de Investigação do Rio de Janeiro (CI). Ela esclareceu que prevalência não é a maior força do Elsa-Brasil. Segundo Rosane, sua força está nos estudos de associação e de incidência.  A primeira onde aconteceu de 2008 a 2010. Os resultados encontrados nos participantes da Fiocruz foram bastante semelhantes aos resultados do estudo como um todo.
 
Foi observado um equilíbrio entre homens e mulheres. Em relação a faixa etária, na Fiocruz foi percebido um número de trabalhadores um pouco mais jovens e também com o nível de escolaridade mais elevado. Sobre o comportamento relacionado à saúde, pouco mais da metade dos trabalhadores declarou fazer exercício físico, 13% relatou que fumavam e cerca de 50% referiram consumir frutas diariamente. 
 
Em relação à doenças, foi notada prevalência de obesidade, em 23,6% dos participantes. “Se somarmos a taxa de sobrepeso à obesidade este número chega a quase 70% dos profissionais da Fiocruz”, alertou. A hipercolesterolemia foi averiguada em 59,1% deles e o estudo encontrou uma taxa de 34,2% de participantes com hipertensão. Já na diabetes a taxa está em 17,3%. “O que chama atenção e é bastante interessante é que os nosso resultados de diabetes, que levam em consideração diversos critérios clínicos, são muito mais altos do que o número de diabéticos auto-referidos que já chegaram no estudo com este diagnóstico. Portanto, apesar de estarmos em uma instituição com alto nível de escolaridade e que muitos tem acesso aos serviços de saúde, há uma discrepância. Muitos participantes se descobriram diabéticos no Elsa”, constatou ela.  Rosane agradeceu a toda a equipe de trabalho, lembrou que a coordenação foi alterada, mas ratificou que os objetivos do Elsa-Brasil Fiocruz continuam os mesmos. 
 
A pesquisadora do Departamento de Endemias Samuel Pessoa da Ensp/Fiocruz e uma das integrantes do Elsa Rio, Letícia Oliveira, que é nutricionistas, falou sobre o questionário de frequência do estudo. Ela mostrou porque o Elsa se dedicou a medir este consumo alimentar, como ele foi medido e apresentou alguns resultados. “Não é uma novidade que o excesso de peso e a obesidade vem crescendo muito rapidamente no país. Para tanto, desenvolvemos um instrumento e trabalhamos com categorias de frequência de consumo de alimentos”, disse ela. 
 
Letícia destacou que foi identificado um perfil geral do Elsa-Brasil e encontrados quatro grupos dentre a população estudada. As classificações foram feitas de acordo com a literatura internacional. Segundo ela, o grupo mais prevalente foi o chamado grupo clássico, pois consomem diariamente feijão e tem baixo consumo de fast-food. O segundo grupo mais prevalente foi o intitulado cafeteria, que consomem menos comida e mais lanches. Neste grupo, as pessoas costumam não jantar e foi percebida menor ingestão de frutas e hortaliças. O terceiro grupo é o chamado prudente, pois ingerem menos gordura e apresentam consumo diária de hortaliças cruas, peito de frango, queijo branco, leite semidesnatado, etc. O quarto e último grupo foi o menos frequente. Este, na maioria das vezes, faz algum tipo de restrição alimentar, como de gordura ou de açúcares.

“Na nossa coorte verificamos uma mistura maior na nossa alimentação, destes grupos. Com a identificação desses padrões poderemos acompanhar a população, entender a associação destes padrões e sua relação com os desfechos do estudo. Os resultados nos ajudarão a identificar prioridades de ação no campo das políticas de alimentação e nutrição”, considerou, Letícia.
 
Elsa-Brasil: um estudo feito da generosidade de muitos
 
A Enirtes Caetano Prates Melo, coordenadora da parte de monitoramento de desfechos do Elsa Rio, falou sobre os desafios da construção do monitoramento contínuo e afirmou que o monitoramento é a etapa silenciosa do estudo. Segundo ela, o grande potencial do Elsa são os resultados futuros que eles podem oferecer. “Manter a adesão e o contato ativo ao longo do tempo, atualizar informações relevantes e identificar e classificar eventos são os principais desafios que vivemos desde o início do estudo”, comentou. Para ela, criar um processo de vigilância contínua é fundamental. De maneira superficial, Enirtes detalhou que neste estudo o monitoramento é realizado em três grandes etapas: identificação de eventos, avaliação da elegibilidade do evento potencial e sua notificação final. 
 
De acordo com ela, o Elsa-Brasil levantou um número elevado de eventos tanto de natureza hospitalar quanto de natureza ambulatorial que devem ser vistos. Ela informou que, “todos os eventos hospitalares são investigados. São doenças crônicas que representam diferentes desafios e cada um deles exige um processo de classificação e extração de informação diferenciados”.

Enirtes citou a ex-coordenadora do estudo, Marília Sá Carvalho, dizendo que a construção do conhecimento, se faz coletivamente e com generosidade. Segundo Enirtes, este é um estudo para muitas gerações e feito da generosidade de muitos, de uma construção coletiva no sentido de fazer um projeto único, compartilhar experiência única e ainda assim caminhar junto e construir um conhecimento necessário para o Brasil.
 
Quando maior a renda per-capta, maior a chance de controlar a pressão arterial
 
Finalizando as apresentações, Dora Chor apresentou dados e ressaltou que a discussão no Brasil sobre a influência da cor/raça na ocorrência das doenças crônicas é um assunto que não está resolvido. Ela lembrou que o Elsa já é palco dessas discussões interessantes a esse respeito e espera que seja cada vez mais. Segundo Dora, a classificação de raça para este estudo foi auto-referida. Sobre a pressão sistólica, disse ela, “com o passar dos anos, a curva dos homens pretos apresenta maior inclinação. Isto significa que, na população Elsa, com o envelhecimento, os pretos tem maior aumento da pressão sistólica do que pardos e brancos. Nas mulheres o resultado não é diferente. Elas apresentam aumento da pressão com o envelhecimento. Não há explicações simples para este tipo de achado e teremos que nos debruçar da antropologia à genética para dar conta disso”.

Outra questão importante se refere a utilização de medicamento para o controle das DCNT. “Este resultado junta as pontas da determinação social com a hipertensão. Ele é um estudo sobre ter a pressão arterial controlada uma vez que se faz uso de medicamentos classificados como anti-hipertensivos pela equipe do Elsa e confirmados pelo participante de estar ciente que o medicamento serve para isso. Portanto, o paciente declara saber ser hipertenso e precisar controlar a sua pressão.  
 
“As mulheres tem uma chance 40% maior do que a dos homens de ter a pressão controlada uma vez que toma medicamento para tal controle”, avaliou Dora. Ela comentou ainda perceber dados consistentes em relação a escolaridade, renda e raça. Quanto maior a escolaridade, inclusive entre pessoas que tem formação universitária completa e pós-graduação, maior a chance de ter a pressão arterial controlada. “As pessoas com renda per capita maior do que mil reais comparadas àqueles que tem renda intermediária, apresentam 20% mais chance de controlar a pressão arterial. No caso de pardos, brancos e outros - que são quase em sua totalidade asiáticos -, os que se definiram como brancos tem 2 vezes mais chances de controlar sua pressão arterial do que os pretos”, detalhou Dora. 
 
Ao final do evento, a pesquisadora agradeceu a todos os órgãos de ciência e tecnologia que ajudaram o desenvolvimento do Elsa-Brasil e, na Fiocruz, agradeceu, em especial ao atual vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Pedro Barbosa. Uma homenagem especial foi prestada ao vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Fiocruz e ex-diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, que, segundo Dora, tornou possível este sonho em que muitos pesquisadores vão se beneficiar. Ela lembrou que Reinaldo foi seu professor na graduação, feita na Uerj e que sempre trabalharam juntos ao longo da vida. 
 
Reinaldo Guimarães destacou que este é um estudo sobre a complexidade. Para ele, a epidemia de sobrepeso e obesidade é o efeito colateral de um fenômeno social altamente positivo, que é a inclusão social. Ela faz as pessoas comerem mais e comerem besteira. Este é um indicador que o Elsa é capaz de detectar.

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