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21/02/2014

Carta aberta da Fiocruz frente às atuais mudanças na regulação de agrotóxicos e perdas para saúde pública


Por meio de posicionamento unânime do seu Conselho Deliberativo (CD), reunido no dia 20 de fevereiro de 2014, a Fiocruz manifesta que a Legislação de Agrotóxicos no Brasil (Lei 7.802/89 e Decreto 4.074/2002) é uma conquista da sociedade brasileira dentro de um processo participativo-democrático e amparado pela Constituição da República de 1988. Nesta, o Estado, com a participação da sociedade civil, tem o dever de avaliar e controlar o seu uso, a partir de mecanismos intersetoriais de órgãos do setor da saúde, da agricultura e do meio ambiente. No caso da saúde, cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a execução destas atividades.

A crescente pressão dos conglomerados econômicos de produção de agroquímicos e de commodities agrícolas para atender às demandas do mercado (agrotóxicos, fertilizantes / micronutrientes, domissanitários) tem resultado em uma tendência de supressão da função reguladora do Estado. Nesse sentido, as legislações publicadas recentemente e os correspondentes projetos de lei em tramitação tendem a desproteger a população dos efeitos nocivos inerentes aos agrotóxicos, principalmente, e de maneira mais grave, os segmentos sociais de maior vulnerabilidade: trabalhadores e moradores de áreas rurais, trabalhadores das campanhas de saúde pública e de empresas de desinsetização, populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas.

A literatura científica internacional é inequívoca quanto aos riscos, perigos e danos provocados à saúde pelas exposições agudas e crônicas aos agrotóxicos, sobretudo, no que se refere às comunidades rurais e aos trabalhadores sistematicamente expostos a esses produtos, inclusive por meio de pulverizações aéreas de eficácia duvidosa. Como uma das principais instituições de produção tecnológica, pesquisa, ensino técnico e pós-graduado em saúde do país, a Fiocruz tem o compromisso de produzir conhecimento para a proteção, promoção e o cuidado da saúde. Com relação ao tema ‘agrotóxicos’, em perspectiva interdisciplinar e historicamente, a Fundação oferta cursos e desenvolve pesquisas voltadas para o aprimoramento da gestão pública; realiza diagnóstico de agravos de interesse da saúde pública; implementa  programas inovadores de vigilância; desenvolve e aplica metodologias de monitoramento e avaliação toxicológica, epidemiológica e social; e realiza a investigação de indicadores preditivos de danos e a comunicação científica.

Dentre os serviços prestados, a Fiocruz integra o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e coordena o Sistema Nacional de Informação Toxico-Farmacológica (Sinitox), que disponibiliza, desde 1985, informações sobre os agravos relacionados ao uso de agrotóxicos com base em notificações coletadas em centros de informação e assistência toxicológica de todo o país. Com base em dados experimentais, clínicos e epidemiológicos obtidos a partir de estudos com trabalhadores e consumidores, a Fundação também participa diretamente de atividades de reavaliação e decisão sobre o uso de agrotóxicos que provocam efeitos agudos e crônicos sobre a saúde humana (carcinogênicos, teratogênicos, mutagênicos, neurotóxicos e de desregulação endócrina).

No que diz respeito à cooperação técnica, a instituição destaca-se em ações voltadas para processos de regulação de produtos e serviços de risco químico / agrotóxicos, junto a órgãos colegiados, ao Sistema Único de Saúde (SUS), a organizações multilaterais (as Convenções de Estocolmo, da Basiléia e de Roterdã) e a agências internacionais (como a Organização Mundial da Saúde, a Organização Pan-americana da Saúde, a Agência Internacional para a Pesquisa em Câncer, o Programa Internacional de Segurança em Química, a Organização Internacional do Trabalho e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). A Fiocruz colabora ainda com órgãos legislativos, com o Ministério Público e a sociedade civil organizada em iniciativas que visam aprimorar a atuação no controle de agrotóxicos e o fomento à produção limpa e segura.

O processo de desregulação dos agrotóxicos em curso, o qual atinge, especialmente, no Brasil, o setor da saúde e o ambiental, está associado aos constantes ataques do segmento do agronegócio às instituições e seus pesquisadores, que atuam em cumprimento as suas atribuições de proteção à saúde e ao meio ambiente. Mediante nota pública, a Fiocruz, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) já declararam repúdio a esses ataques, reafirmando perante a sociedade o compromisso de zelar pela proteção da população e a prevenção da saúde.

Em suas relações com a sociedade, de acordo com preceitos éticos e do SUS, a Fiocruz participa de diversas iniciativas de esclarecimento e mobilização tais como o Dossiê da Abrasco - um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, o Grito da Terra, os fóruns nacional e estaduais de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e outros mecanismos ou instrumentos que visam buscar alternativas ao uso de agrotóxicos.

Ante o exposto, a Fiocruz contesta, pugnando por sua revogação imediata, a Lei n° 12.873 /13 e o Decreto n° 8.133/13, que permitem o registro temporário de agrotóxicos no país em casos de emergência fitossanitária ou zoossanitária, sem a avaliação prévia dos setores reguladores da saúde e do meio ambiente. A Fundação se coloca contrária também a outros projetos de lei que tenham o mesmo sentido, como o PL 209/2013 do Senado, o qual pretende retirar definitivamente (ou mesmo restringir) a atuação das áreas de saúde e meio ambiente do processo de autorização para registro de agrotóxicos no Brasil.

A instituição declara ainda que se coloca à inteira disposição das autoridades do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil para participar de discussões sobre o marco regulatório de agrotóxicos, na busca de alternativas sustentáveis, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Frente a esse cenário, a Fiocruz formalizou, entre seus pesquisadores, um Grupo de Trabalho sobre Agrotóxicos para tratar o tema de forma sistemática.

A Fiocruz convoca a sociedade brasileira a tomar conhecimento sobre essas inaceitáveis mudanças na lei dos agrotóxicos e suas repercussões para a saúde e a vida.

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